O princípio tecnológico que permitiu a transmissão do som por ondas sonoras é antigo: surgiu no final do século XIX. Em 1887, Henrich Rudolph Hertz descobriu as ondas sonoras. Segundo o site Microfone – que fez uma grande pesquisa sobre a história do rádio -, a descoberta também se dava no Brasil, seis anos mais tarde: o padre Roberto Landell de Moura foi o responsável pela primeira transmissão de palavra falada, sem fios, por meio de ondas magnéticas, em 1893.
Ainda no século XIX, o italiano Gluglielmo Marconi realizou as primeiras demonstrações de transmissão sem fio na Inglaterra, em 1896. No mesmo ano, o austro-húngaro Nikola Tesla registrava todos os diagramas esquemáticos que detalham o funcionamento básico do transmissor de rádio. Graças às suas patentes, em 1894, Tesla foi reconhecido pela Suprema Corte Americana como o inventor da transmissão sem fios que originou a princípio radiofônico.
O rádio foi o principal veículo de comunicação e entretenimento da população até a metade do século XX. Graças à possibilidade de informar em tempo real, o invento revolucionou a interação entre pessoas e canais de informação. Com a chegada e popularização dos televisores, o aparelho cedeu seu espaço – tal como as TVs o fazem agora com os computadores e a internet.
Com a transmissão virtual de mais dados em menos tempo, o formato radiofônico voltou a ganhar adeptos – desta vez, não mais por pelo processo analógico, mas sim digital. Surgiu então o podcast, termo cunhado em fevereiro de 2004 pelo jornal britânico The Guardian, que une pod (Personal On Demand, já utilizado no player iPod) e broadcast. O tocador de MP3 da Apple batizou o novo formato que começava a ganhar destaque.
O primeiro podcast brasileiro foi o Digital Minds, criado por Danilo Medeiros em 21 de outubro do mesmo ano, como parte da programação do blog homônimo. Ainda em 2004, surgiram mais três programas: Podcast do Gui Leite; Perhapiness, do Rodrigo Stulzer; e Código Livre, do Ricardo Macari.
A efervescência do cenário originou a 1ª Conferência Brasileira de Podcast na capital paranaense, em 2005. Na ocasião do evento, foi organizada também a Associação Brasileira de Podcasters (ABPod), devidamente estabelecida no ano seguinte. Até então, os podcasts brasileiros seguiam uma linha similar à dos norte-americanos: pouca edição, sem grande variação de efeitos sonoros e trilhas, semelhantes a programas de rádio.
Entretanto, um novo programa seria um divisor de águas para a linguagem dos podcasts brasileiros: o Nerdcast. Nascido Nerd Connection, em 2 de abril de 2006, o programa passou a integrar o blog Jovem Nerd. Unindo técnica, mixagem, humor e pautas descompromissadas, o Nerdcast foi um dos primeiros a adaptar a linguagem com esses recursos. Em atividade até hoje, é considerado referência de podcasts brasileiros. A princípio é simples: um bate-papo sobre qualquer assunto, que no caso do blog Jovem Nerd está atrelado a referências geeks.
A ausência de grandes empresas voltadas à produção do novo formato abriu uma lacuna no mercado. E foi justamente o espaço encontrado por Leo Lopes. Foi por meio do rádio, ou melhor, do formato de rádio para internet, que ele deixou de ser assalariado para empreender. Dono da Rádiofobia Podcast e Multimídia – produtora especializada em podcasts – Lopes admite que começou tarde na profissão, mas que a vontade sempre existiu. “Quando eu era pequeno, fazia algo semelhante ao que hoje são os podcasts, mas com fitas cassetes, brincando com trilhas e locução com o meu melhor amigo”
Programa-piloto
Até 2005, Lopes tinha outra ocupação: era sacerdote da Igreja Messiânica do Brasil. Aos 15 anos, decidiu praticar a filosofia e religião. Três anos mais tarde , dedicou-se ao estudo da cultura e, graças a isso, tornou-se tradutor e intérprete do idioma oriental. Porém, aos 30 anos, já casado e com dois filhos, determinou o que hoje é a sua profissão: podcaster, ou produtor e editor de podcasts.
Durante um ano de curso de Radialismo e Locução, na Radioficina, em São Paulo (SP), Lopes pagou suas contas trabalhando em uma missão do governo japonês, dentro de um projeto de revitalização ambiental da Represa Billings. Depois, foi atuar como analista de relações públicas na Toyota do Brasil. Mas a vontade de trabalhar com o rádio permanecia.
Já com o registro profissional de radialista em mãos, ele percebeu as dificuldades em ingressar na nova profissão. “Quando eu cheguei ao mercado de trabalho, acabava disputando vagas de emprego com jovens, que aceitavam trabalhar quase de graça. Percebi que não conseguiria entrar no rádio dessa forma.”
Ainda trabalhando como analista, passou a pesquisar sobre dublagem e outras formas de utilizar a voz. A resposta veio em 2008, com a descoberta do Nerdcast. O formato, até então pouco conhecido, começava a ganhar destaque. Lopes percebeu a possibilidade trazida por essa plataforma e passou a estudar outros programas similares para conhecer os processos de produção e edição utilizados.
Em fevereiro de 2009, surgiu o piloto do podcast Radiofobia, feito por Lopes e Quessa, seu amigo de infância. A cada 15 dias, um novo bate-papo com entrevista vai ao ar, com uma hora e meia de duração. O formato deu certo. Tão certo que chegou a 148 programas e quase seis anos de atividades ininterruptas. Hoje, além dos dois amigos, o Radiofobia conta com colaboração de mais 12 pessoas e mostra que a brincadeira de criança atingiu outro patamar, mais de duas décadas depois.
Vitrine sonora
Convidado a participar da Campus Party em 2011, Lopes e mais dois amigos criaram uma maratona de 12 horas consecutivas na produção de podcasts ao vivo dentro do evento. A ocasião, além de ser uma vitrine para o seu trabalho, foi a oportunidade que originou sua atual produtora.
Foi em meio a essa maratona que surgiu o primeiro trabalho em parceria com os criadores do Jovem Nerd. “Enquanto trabalhava no evento fazendo entrevistas, eles estavam divididos entre mesas e outras atividades. Foi quando viram como eu trabalhava e pediram para que sonorizássemos a leitura de e-mails do Nerdcast ao vivo para ir ao ar na sequência”, lembra.
Em uma dinâmica de edição similar às das emissoras de rádio, Lopes conseguiu o feito que até então demandava muito tempo aos produtores de podcast: a edição final do programa. Foi assim que passou a contribuir com o site Jovem Nerd em eventos para sonorização ao vivo. E mais tarde, com a edição total do Nerdcast. “Eu já fazia isso desde 2009, com o Radiofobia. A possibilidade de fazer a plástica toda de podcast com qualidade e quase simultaneamente foi o meu diferencial.”
O conhecimento da técnica possibilitou sua saída definitiva do mundo corporativo para se dedicar à sua própria empresa, especializada em produção, edição e consultoria de serviços radiofônicos nesse formato.
O radialista afirma: o networking foi crucial em todo o processo, assim como o marketing pessoal. Outro fator importante é valorizar os aspectos humanos. “Quando você é sua empresa, tudo isso é muito importante. As pessoas precisam gostar não só do seu serviço ou produto, mas da sua imagem – principalmente a da internet, que é sua vitrine”.
Além do Jovem Nerd, Lopes também assina as edições do Tecnocast e do PM Insights Podcast, e já tem outros projetos em andamento. Ele também oferece serviços de consultoria, cursos e treinamentos, voltados para quem quer criar ou aperfeiçoar o seu podcast. E afirma que o formato não segrega, mas agrega, e que os ouvintes buscam indicações do que ouvir em outros programas.
Mais do que o acaso, o empreendedor pontua que é preciso, antes de qualquer coisa, conhecer bem o mercado antes de se arriscar e aprimorar-se constantemente para crescer, mesmo quando já estabelecido. E sem deixar a filosofia japonesa de lado, encerra com o ditado: a oportunidade é uma deusa que tem uma trança comprida na testa e é careca na nuca, que deve ser agarrada quando estiver se aproximando, não quando ela já tiver passado.
*Leo Lopes é um dos 10 autores do livro Reflexões sobre o Podcast, lançado em janeiro deste ano pela Marsupial Editora